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Caminho de Compostela - A enigmática rota

Primeiro Apóstolo de Cristo a morrer martirizado, Tiago teve seus restos atirados para fora dos muros da cidade e recolhidos por dois de seus discípulos...

Por Danilo Brandani Tisel - Assoc. Amigos do Caminho de Santiago de Compostela em 06/05/2023 às 11:11:38

Foto de ilustração

Conta a história compostelana... Após a morte de Jesus, os Apóstolos espalharam-se pelo mundo, ansiosos por transmitir a Palavra de Deus.

Tiago, irmão de João - segundo forte crença -, teria seguido para a região da Espanha, após pregar, por algum tempo, em Samaria, na Judéia. Por ordem de Herodes Agripina, Tiago foi decapitado quando de seu regresso da Cesaréia.

Primeiro Apóstolo de Cristo a morrer martirizado, Tiago teve seus restos atirados para fora dos muros da cidade e recolhidos por dois de seus discípulos, que o acompanharam em sua volta à Palestina. Colocaram o corpo do Apóstolo em um navio, durante a noite, e embarcaram sem rumo determinado, apenas sob a direção dos anjos de Deus. O navio terminou por encalhar na Galícia, em Iria Flávia - hoje conhecida como Padron -, em cuja região Tiago foi enterrado, em um bosque, aproximadamente no ano 44 da Era Cristã.

Séculos se passaram e o local foi esquecido. Por volta do ano 800 d.C., um eremita de nome Pelágio descobriu, de forma miraculosa, o ponto onde se encontrava a sepultura do Apóstolo Tiago. Estrelas cadentes iluminavam o cume de uma pequena montanha, exatamente onde havia sido construído o antigo mausoléu.

O Caminho das Estrelas

O túmulo, coberto por uma densa vegetação, começou a receber visitantes de toda parte da Europa. Em pouco tempo, o rei da Espanha, Afonso II, o Casto, ordenou que fosse levantada sobre a tumba uma pequena basílica de pedra e argila. O lugar, então, passou a ser chamado de "o campo da estrela" - campus stellae, em latim -, dando origem ao nome Compostela.

O fato tornara-se conhecido por todo o Ocidente, e a Via Láctea, imenso corredor de estrelas, passou a guiar os passos dos peregrinos, que caminhavam em direção ao Oeste, ao longo da trilha que conduzia ao túmulo do Apóstolo de Cristo.

Embora o caminho para o Oeste tenha sido cristianizado, tornando o sentido cristão de peregrinar tão verdadeiro quanto popular, a rota data de muito antes da Era Cristã. Tratava-se de um remoto caminho conhecido como "O Caminho das Estrelas" ou "Via Láctea", o mesmo nome utilizado para o rastro de estrelas que atravessa nosso céu até a constelação de Cão Maior.

Os druidas, sacerdotes celtas, consideravam o "Caminho das Estrelas" uma das veias de energia telúrica do planeta, e por essa rota caminhavam até chegar a finis terrae, nome latino que deu origem a uma localidade espanhola às margens do oceano Atlântico, conhecida como Finisterre. Era no Oeste, em direção ao poente solar, que se situava a ilha de Avalon, a "Ilha das Maçãs", para onde se encaminhavam as almas dos mortos. Os celtas identificavam a vida do homem com o movimento do sol, que morre no Oeste a cada tarde, antes de renascer no Leste, na manhã seguinte. Suas memórias ancestrais situavam a "Terra dos Antepassados" no Oeste, para onde era preciso voltar para um renascimento, seguindo o exemplo do astro que suas religiões veneravam.

A origem das grandes viagens a pé é muito remota, e as justificativas eram várias. Não havia razão mais ou menos nobre para esses antigos homens colocarem os pés na estrada e se aventurar para além das próprias fronteiras.

Para o andarilho moderno pouca coisa mudou. Cerca de 1100 anos depois da descoberta da sepultura do Apóstolo, os peregrinos ainda mantêm viva a tradição de caminhar através da natureza, pelos bosques e florestas, pelas montanhas e vales, removendo antigos valores, ultrapassando a barreira do cansaço, integrando-se ao ritmo da terra e do céu para atingir o estado de receptividade necessário à compreensão dos grandes mistérios de um caminho espiritual.

Para estar mais perto de Deus

O Caminho de Santiago de Compostela recebe todos os anos andarilhos que elegem o próprio coração como guia. Trocando velhas certezas, dispostos a esvaziarem-se para se tornar alguém melhor, os peregrinos buscam estar um pouco mais perto de Deus, pois descobriram a única condição básica para tornar sua jornada autêntica, independentemente de estar ou não em terras espanholas. Essa condição é simplesmente estar vivo, em movimento, deslocando-se de um estágio para outro e aprendendo com todos eles.

Belezas intatas, bosques, florestas, povoados, subidas e descidas pelas montanhas. Estradas que atravessam a rota, mas não alteram o traçado original do "Caminho das Estrelas". Vivenciar intensamente cada segundo do dia, aprendendo a se integrar ao ritmo da natureza, conhecendo estágios incríveis do ser. Apreciar impressionantes construções medievais, paisagens maravilhosas... e a saudade daquilo que fica afia nossa espada, instrumento simbólico dessa enigmática rota.

A fé e a coragem, a entrega e a tolerância, além do prazer pela vida, auxiliam o peregrino a chegar ao final do dia. Com tranquilidade, afasta-se o medo. A história de cada peregrino fica marcada na terra, onde ele renova sua energia e deixa suas pegadas, derrama o suor e as lágrimas incontidas pela emoção.

As pedras do caminho

Modernas mochilas coloridas, botas especiais, apetrechos que facilitam a jornada não são a garantia da realização do sonho. Quem deseja percorrer a pé os quase 800 km com uma mochila nas costas, atravessando um país estrangeiro, construindo passo a passo seu próprio caminho, precisa ter prudência.

Um dos erros mais comuns de quem realiza uma peregrinação é não levar em conta as condições terrenas que todo ser humano precisa enfrentar. É muito importante haver um preparo para a peregrinação, para a caminhada, não só espiritual como também no plano concreto.

Aprenda a rezar, mas conheça um pouco sobre longas caminhadas. Procure expandir a consciência, mas saiba o que fazer para cuidar de uma bolha que surge no pé. Tenha muita fé, mas desenvolva também seu senso prático, dê muito valor à simplicidade.

Quanto mais complexos nos tornamos, mais oculto fica nosso caminho espiritual. O desenvolvimento intelectual é indispensável, como também é indispensável vivenciar o mundo e não apenas deduzi-lo intelectualmente. O iniciado é aquele que desenvolve sua percepção, aprendendo a penetrar na natureza mais profunda das coisas, descobrindo que todas elas estão interligadas.

A peregrinação, seja qual for seu motivo, é uma jornada em busca da própria essência, para a iluminação daquilo que nós mesmos ocultamos através de nossas rotinas e complexidades diárias. Ao peregrino interessa incluir, ampliar os limites, a consciência; partir de uma condição e vivenciar novas relações com o universo, novas referências, e assim perceber, junto com suas reais necessidades, a responsabilidade que tem pelo seu caminho. Movimentar-se é o que transforma e não o simples desembarque em um ponto geográfico.

Devoção ao Apóstolo, aprofundamento espiritual, autoconhecimento e desenvolvimento cultural ainda são bons motivos para se colocar os pés no caminho. Com a boa disposição de se tornar alguém melhor, procurando estar um pouco mais perto de Deus, cada viajante estará percorrendo uma jornada sagrada que o torna um peregrino autêntico.

Como dizem os padres: "Siga o sol do dia ou as estrelas da Via Láctea à noite e encontrarás os pés do Apóstolo".



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